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Filosofia - 3º ano


Ana Carolina Texto de Elisa Lucinda. Só de sacanagem




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Texto sobre cidadania

Texto 1 - Cidadania

07/01/2009 - Marcos Silvio de Santana
O QUE É CIDADANIA

Resumo
A história da cidadania confunde-se em muito com a história das lutas pelos direitos humanos. A cidadania esteve e está em permanente construção; é um referencial de conquista da humanidade, através daqueles que sempre lutam por mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e não se conformam frente às dominações arrogantes, seja do próprio Estado ou de outras instituições ou pessoas que não desistem de privilégios, de opressão e de injustiças contra uma maioria desassistida e que não se consegue fazer ouvir, exatamente por que se lhe nega a cidadania plena cuja conquista, ainda que tardia, não será obstada. Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Mas este é um dos lados da moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final, coletivo: a justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.


Sumário:
Introdução – 1; A Cidadania na Antigüidade – 2; A Cidadania na Grécia Antiga – 3;

A Cidadania Romana – 4; Cidadania na Idade Média – 5; Cidadania na Idade Moderna – 6; Outras Considerações – 7; A Cidadania no Brasil – 7; Conclusão – 9; Referências Bibliográficas – 10.


INTRODUÇÃO
No discurso corrente de políticos, comunicadores, dirigentes, educadores, sociólogos e uma série de outros agentes que, de alguma maneira, se mostram preocupados com os rumos da sociedade, está presente a palavra cidadania. Como é comum nos casos em que há a superexploração de um vocábulo, este acaba ganhando denotações desviadas do seu estrito sentido. Hoje, tornou-se costume o emprego da palavra cidadania para referir-se a direitos humanos, ou direitos do consumidor e usa-se o termo cidadão para dirigir-se a um indivíduo qualquer, desconhecido.

De certa forma, faz sentido a mistura de significados, já que a história da cidadania confunde-se com a história dos direitos humanos, a história das lutas das gentes para a afirmação de valores éticos, como a liberdade, a dignidade e a igualdade de todos os humanos indistintamente; existe um relacionamento estreito entre cidadania e luta por justiça, por democracia e outros direitos fundamentais asseguradores de condições dignas de sobrevivência.

Expressão originária do latim, que tratava o indivíduo habitante da cidade (civitas), na Roma antiga indicava a situação política de uma pessoa (exceto mulheres, escravos, crianças e outros) e seus direitos em relação ao Estado Romano. No dizer de Dalmo Dallari:

“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”[1].

No Brasil, os primeiros esforços para a conquista e estabelecimento dos direitos humanos e da cidadania confundem-se com os movimentos patrióticos reivindicativos de liberdade para o País, a exemplo da inconfidência mineira, canudos e outros. Em seguida, as lutas pela independência, abolição e, já na república, as alternâncias democráticas, verdadeiros dilemas históricos que custaram lutas, sacrifícios, vidas humanas.

E hoje, a quantas anda a nossa cidadania? A partir da Constituição de 1988, novos instrumentos foram colocados à disposição daqueles que lutam por um País cidadão. Enquanto consumidor, o brasileiro ganhou uma lei em sua defesa – o CDC; temos um novo Código de Trânsito; um novo Código Civil. Novas ONGs que desenvolvem funções importantíssimas, como defesa do meio ambiente. A mídia, apesar dos seus tropeços, tem tido um papel relevante em favor da cidadania. E muitas outras conquistas a partir da Nova Carta.

Como o exemplo da Ação Cidadania Contra a Miséria e pela Vida, Movimento pela Ética na Política. Memorável a ação dos “caras-pintadas”, movimento espontâneo de jovens que contribuiu para o impeachment do presidente Collor. A Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Mandado de Segurança entre outros, além da instituição do Ministério Público, importante instrumento na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Há um longo caminha a percorrer. É só ativar um pouco a nossa acuidade natural e veremos que estamos cercados de um sem número de mazelas que insistem em infestar a nossa sociedade. Os representantes que, mal acabam de se eleger, dão as costas para o eleitor e este não lhe nega a recíproca, deixando aqueles ainda mais à vontade para as suas rapinagens.

Uma pesquisa divulgada pelo Ibope[2] em 25.11.03 traz dados preocupantes sobre as nossas relações de cidadania. Indica que 56% dos brasileiros não têm vontade de participar das práticas capazes de influenciar nas políticas públicas. 35% nem tem conhecimento do sejam essas práticas e 26% acham esse assunto “chato demais” para se envolver com ele. Nem tudo está perdido: 44% dos entrevistados manifestaram algum interesse em participar para a melhoria das atividades estatais, e entendem que o poder emana do povo como está previsto na Constituição. A pesquisa anima, de forma até surpreendente, quando mostra que 54% dos jovens (entre 16 e 24 anos), têm interesse pela coisa pública. Interesse que cai progressivamente à medida que a idade aumenta. A pesquisa ajuda a desmontar a idéia que se tem de que o jovem é apático ou indiferente às coisas do seu país.



1. A CIDADANIA NA ANTIGÜIDADE
Em tempos recuados da História encontram-se sinais de lutas sociais que lembram bem a busca por cidadania. Bem tratado por Jaime Pinsky, apud Emiliano José[3], por volta do século VIII a.c. os Profetas Isaías e Amós pregavam em favor do povo e contra os opressores:

“cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem. Respeitai o direito, protegei o oprimido. Fazei justiça ao órfão, defendei a viúva”.

“Portanto, já que explorais o pobre e lhe exigis tributo de trigo, edificareis casas de pedra, porém não habitareis nelas, plantareis as mais excelentes vinhas, porém não bebereis do seu vinho. Porque eu conheço as vossas inúmeras transgressões e os vossos grandes pecados: atacais o justo, aceitais subornos e rejeitais os pobres à sua porta”.



1.1 A CIDADANIA NA GRÉCIA ANTIGA
Na Grécia de Platão e Aristóteles, eram considerados cidadãos todos aqueles que estivessem em condições de opinar sobre os rumos da sociedade. Entre tais condições, estava a de que fosse um homem totalmente livre, isto é, não tivesse a necessidade de trabalhar para sobreviver, uma vez que o envolvimento nos negócios públicos exigia dedicação integral. Portanto, era pequeno o número de cidadãos, que excluíam além dos homens ocupados (comerciantes, artesãos), as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Praticamente apenas os proprietários de terras eram livres para ter o direito de decidir sobre o governo. A cidadania grega era compreendida apenas por direitos políticos, identificados com a participação nas decisões sobre a coletividade.

Citando Sabine, Quintão Soares[4] explica que, em consonância com a assertiva de que cidadania é um mecanismo de representação política que permite relacionamento pessoal entre governantes e governados e que esse paradigma assenta-se na instituições greco-romanas e sua complexa transição para a Idade Média, demonstra que os modernos conceitos de ideais políticos, como os de justiça, liberdade, governo constitucional e respeito às leis, surgiram de conceitos de pensadores helênicos sobre as instituições da Cidade-Estado.

Na Grécia antiga, toda a sociedade da civilização apresentava a dicotomia cidadão e não-cidadão. Lage de Resende e Morais, apud Wilba L. M. Bernardes[5], ensina que:

“A cidadania era para os gregos um bem inestimável. Para eles a plena realização do homem se fazia na sua participação integral na vida social e política da Cidade-Estado”. “...só possuía significação se todos os cidadãos participassem integralmente da vida política e social e isso só era possível em comunidades pequenas”.

Wilba L. M. Bernardes[6] refere-se a outros autores para esclarecer que no início da evolução ateniense só uma classe de cidadãos exercia a plenitude da cidadania (existia uma divisão censitária da sociedade); somente a partir das reformas de Clístenes (509 a.c.), essa cidadania foi estendida a todo cidadão ateniense, que poderia inclusive exercer qualquer cargo de governo. Também é a partir de Clístenes, segundo ensina Fustel de Coulanges, que a antiga aristocracia ateniense sofreu o seu mais duro golpe: Clístenes confirmou as reformas políticas de Sólon, introduziu também reformas na velha organização religiosa da sociedade ateniense: “A partir deste momento, não houve mais castas religiosas, nem privilégios de nascimento na religião ou na política”.

Celso Lafer, apud Mário Quintão[7], entende que a igualdade resulta da organização humana, que é o meio de igualizar as diferenças por intermédio das instituições. É o caso da polis, que tornava os homens iguais através da lei. Perder o acesso à esfera pública equivalia a privar-se da igualdade. O indivíduo, destituído da cidadania e submetido à esfera privada, não usufruía os direitos, que só podiam existir em função da pluralidade dos homens. A esfera privada, vinculada às atividades de sobrevivência do indivíduo, era o espaço de sujeição no qual a mulher, o escravo e os filhos, destituídos de direitos, estavam sob o domínio despótico do chefe de família e a proteção das divindades domésticas.

Lembra Wilba Bernardes que o Estado à época de Roma e Grécia, se é que podem assim ser chamados, não tinha a feição que hoje lhe é conferida; era mais um prolongamento da família, pois esta era a base da sociedade. E sendo assim, o indivíduo encontrava-se completamente absorvido pelo Estado ou pela Cidade-Estado. Aos cidadãos atenienses eram reservados os direitos políticos. Os cidadãos formavam o corpo político da cidade, daí a faculdade de tomarem parte das Assembléias, exercerem a magistratura e proporcionarem a justiça.



1.2 A CIDADANIA ROMANA
Em Roma, também se encontra, patente, a idéia de cidadania como capacidade para exercer direitos políticos e civis e a distinção entre os que possuíam essa qualidade e os que não a possuíam. A cidadania romana era atribuída somente aos homens livres, mas nem todos os homens livres eram considerados cidadãos. Segundo Wilba Bernardes, em Roma existiam três classes sociais: os patrícios (descendentes dos fundadores), os plebeus (descendentes dos estrangeiros) e os escravos (prisioneiros de guerra e os que não saldavam suas dívidas). Existiam também os clientes, que eram, segundo informam Pedro e Cáceres[8], homens livres, dependentes de um aristocrata romano que lhes fornecia terra para cultivar em troca de uma taxa e de trabalho.

Em princípio, a diferença entre patrícios e plebeus é que estes, apesar de homens livres, não eram considerados cidadãos, privilégio dos patrícios, que gozavam de todos os direitos políticos, civis e religiosos[9]. Isso deu motivo a várias lutas internas, entre patrícios e plebeus. Após a reforma do Rei Sérvio Túlio, os plebeus tiveram acesso ao serviço militar e lhes foram assegurados alguns direitos políticos. Só a partir de 450 a.C., com a elaboração da famosa Lei das Doze Tábuas, foi assegurada aos plebeus uma maior participação política, o que se deveu em muito à expansão militar romana. O Direito Romano regulava as diferenças entre cidadãos e não-cidadãos. O direito civil (ius civile) regulamentava a vida do cidadão, e o direito estrangeiro (ius gentium) era aplicado a todos os habitantes do império que não eram considerados cidadãos.

Ensina Alves, no dizer de Wilba Bernardes, que:

“Desde os fins da República, a tendência de Roma é no sentido de estender, paulatinamente, a cidadania a todos os súditos do Império. Assim, em 90 a.c., a lex Iulia a concedeu aos habitantes do Latium; um ano depois, a lex Plautia Papiria a atribuiu aos aliados de Roma; e, em 49 a.c., a lex Roscia fez o mesmo com relação aos habitantes da Gália Transpadana”[10].

Em 212 d.C., Caracalla, na célebre Constitutio Antoniniana, concedeu a cidadania a quase todos os habitantes do Império. As exceções que subsistiram desapareceram com Justiniano.

Na lição de Mário Quintão[11], vê-se que o Direito Romano, apesar de proteger as liberdades individuais e reconhecer a autonomia da família com o pátrio poder, não assegurava a perfeita igualdade entre os homens, admitindo a escravidão e discriminando os despossuídos. Ao lado da desigualdade extrema entre homens livres e escravos, o Direito Romano admitia a desigualdade entre os próprios indivíduos livres, institucionalizando a exclusão social.



1.3 A CIDADANIA NA IDADE MÉDIA
Com a decadência do Império Romano, e adentrando a Idade Média, ocorrem profundas alterações nas estruturas sociais. O período medieval é marcado pela sociedade caracteristicamente estamental, com rígida hierarquia de classes sociais: clero, nobreza e servos (também os vilões e os homens livres).

A Igreja cristã passou a constituir-se na instituição básica do processo de transição para o tempo medieval. As relações cidadão-Estado, antes reguladas pelo Império, passam a controlar-se pelos ditames da Igreja cristã. A doutrina cristã, ao alegar a liberdade e igualdade de todos os homens e a unidade familiar, provocou transformações radicais nas concepções de direito e de estado.

Para Mário Quintão, o desmoronamento das instituições políticas romanas e o fortalecimento do cristianismo ensejaram uma reestruturação social que foi dar-se no feudalismo, cujas peculiaridades diferiam consoante seus aspectos regionais. O feudalismo, considerado “idade das trevas”, configura-se pela forma piramidal caracterizada por específicas relações de dependência pessoal (vassalagem), abrangendo em sua cúpula rei e suserano e, em sua base, essencialmente, o campesinato.

Essa relação de dependência pessoal de obrigações mútuas originava-se de ato sacramental e solene e que apresentava duas vertentes: o vassalo, em troca de proteção e segurança, inclusive econômica, oferecia fidelidade, trabalho e auxílio ao suserano, que, reciprocamente, investia o vassalo no benefício, elemento real e econômico dessa relação feudal.

Na época medieval, em razão dessa índole hierarquizada das estruturas em classes sociais, dilui-se o princípio da cidadania. O relacionamento entre senhores e vassalos dificultava bastante a definição desse conceito. O homem medieval, ou era vassalo, ou servo, ou suserano; jamais foi cidadão. Os princípios de cidadania e de nacionalidade dos gregos e romanos estariam “suspensos” e seriam retomados com a formação dos Estados modernos, a partir de meados do século XVII.



1.4 A CIDADANIA NA IDADE MODERNA
Os primeiros sinais de desmoronamento do sistema que caracterizou o medievo foram a privatização do poder. Hannah Arendt, citada por Quintão[12], diz que:

“A queda da autoridade política foi precedida pela perda da tradição e pelo enfraquecimento dos credos religiosos institucionalizados; foi o declínio da autoridade religiosa e tradicional que talvez tenha solapado a autoridade política, e certamente provocado a sua ruína”

Com o fim do feudalismo e a ocorrência da formação dos Estados nacionais, a sociedade, ainda formada e organizada em clero, nobreza e povo, volta a ter uma centralização do poder nas mãos do rei, cuja autoridade abrangia todo o território e era reconhecida como legal pelo povo. Língua, cultura e ideais comuns auxiliaram a formação desses Estados Nacionais.

Já no final da Idade Moderna, observa-se um sério questionamento das distorções e privilégios que a nobreza e clero insistiam em manter sobre o povo. É aí que começam a despontar figuras que marcariam a História da cidadania, como Rousseau, Montesquieu, Diderot, Voltaire e outros. Esses pensadores passam a defender um governo democrático, com ampla participação popular e fim de privilégios de classe e ideais de liberdade e igualdade como direitos fundamentais do homem e tripartição de poder. Essas idéias dão o suporte definitivo para a estruturação do Estado Moderno. Lembrando que alguns desses ideais já teriam sido objeto de discussão quando do início do constitucionalismo inglês em 1215, quando o rei João Sem Terra foi forçado a assinar a Magna Carta.

As modernas nações, governos e instituições nacionais surgiram a partir de monarquias nacionais formadas pela centralização ocorrida no desenrolar da Idade Moderna. Segundo Wilba Bernardes “desde o momento em que o Estado moderno começa a se organizar, surge a preocupação de definir quais são os membros deste Estado, e, dessa forma, a idéia atual de nacionalidade e de cidadania só será realmente fixada a partir da Idade Contemporânea”[13].

Citado por Quintão[14], J. M. Barbalet diz que:

“Desde o advento do Estado liberal de direito, a base da cidadania refere-se à capacidade para participar no exercício do poder político mediante o processo eleitoral. Assim, a cidadania ativa liberal derivou da participação dos cidadãos no moderno Estado-nação, implicando a sua condição de membro de uma comunidade política legitimada no sufrágio universal, e, portanto, também a condição de membro de uma comunidade civil atrelada à letra da lei”.



1.5 OUTRAS CONSIDERAÇÕES
A história da cidadania mostra bem como esse valor encontra-se em permanente construção. A cidadania constrói-se e conquista-se. É objetivo perseguido por aqueles que anseiam por liberdade, mais direitos, melhores garantias individuais e coletivas frente ao poder e a arrogância do Estado. A sociedade ocidental nos últimos séculos andou a passos largos no sentido das conquistas de direitos de que hoje as gerações do presente desfrutam.

O exercício da cidadania plena pressupõe ter direitos civis, políticos e sociais e estes, se já presentes, são fruto de um longo processo histórico que demandou lágrimas, sangue e sonhos daqueles que ficaram pelo caminho, mas não tombados, e sim, conhecidos ou anônimos no tempo, vivos no presente de cada cidadão do mundo, através do seu “ir e vir”, do seu livre arbítrio e de todas as conquistas que, embora incipientes, abrem caminhos para se chegar a uma humanidade mais decente, livre e justa a cada dia.



2. A CIDADANIA NO BRASIL
A história da cidadania no Brasil está diretamente ligada ao estudo histórico da evolução constitucional do País. A Constituição imperial de 1824 e a primeira Constituição republicana de 1891 consagravam a expressão cidadania. Mas, a partir de 1930, observa Wilba Bernardes[15], ocorre uma nítida distinção nos conceitos de cidadania, nacionalidade e naturalidade. Desde então, nacionalidade refere-se à qualidade de quem é membro do Estado brasileiro, e o termo cidadania tem sido empregado para definir a condição daqueles que, como nacionais, exercem direitos políticos.

A história da cidadania no Brasil é praticamente inseparável da história das lutas pelos direitos fundamentais da pessoa: lutas marcadas por massacres, violência, exclusão e outras variáveis que caracterizam o Brasil desde os tempos da colonização. Há um longo caminho ainda a percorrer: a questão indígena, a questão agrária, posse e uso da terra, concentração da renda nacional, desigualdades e exclusão social, desemprego, miséria, analfabetismo, etc.

Entretanto, sobre a cidadania propriamente dita, dir-se-ia que esta ainda engatinha, é incipiente. Passos importantes já foram dados. A segunda metade do século XX foi marcada por avanços sócio-políticos importantes: o processo de transição democrática, a volta de eleições diretas, a promulgação da Constituição de 1988 “batizada” pelo então presidente da constituinte Ulysses Guimarães de a “Constituição Cidadã”. Mas há muito que ser feito. E não se pode esperar que ninguém o faça senão os próprios brasileiros. A começar pela correção da visão míope e desvirtuada que se tem em ralação a conceitos, valores, concepções. Deixar de ser uma nação nanica de consciência, uma sociedade artificializada nos seus gostos e preferências, onde o que vale não vale a pena, ou a mediocridade transgride em seu conteúdo pelo arrastão dos acéfalos. Tem-se aqui uma Constituição cidadã, mas falta uma “Ágora” onde se possa praticar a cidadania, e tornar-se, cada brasileiro em um ombudsman de sua Pátria.

É inegável que o Brasil é um País injusto, ou melhor, a sociedade brasileira é extremamente desigual. Basta ver os números do IBGE para indagarmos os motivos de tantos contrastes, de tão perversos desequilíbrios. E o que é pior: a cada pesquisa, as diferenças aumentam, a situação de ricos e pobres que parecem migrar para extremos opostos... nessa escala de aprofundamento das injustiças sociais, ao contrário do que desejava Ulysses Guimarães em seu discurso na Constituinte em 27 de julho de 1988:

“essa será a Constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria”. “ Cidadão é o usuário de bens e serviços do desenvolvimento. Isso hoje não acontece com milhões de brasileiros, segregados nos guetos da perseguição social”.

Por que tudo isso continua? Falta vontade dos governos? Ao que parece, todos se preocupam, reclamam e se incomodam com esta triste realidade, mas, ações consistentes, de efeitos estruturais e capazes de mudar os rumos das tendências sócio-econômicas da sociedade brasileira não se podem vislumbrar, ainda. É vontade geral manifesta que haja um mínimo de justiça social. Entretanto, por que não fazer valer esse desejo da maioria, se este é um País democrático? Será que se atribui muita importância, ou se respeitam demais as chamadas minorias? As elites?

As questões são mais profundas. As soluções demandam “garimpagem” com muito tino e sabedoria, requerem grande esforço social conjunto. Não servem aqueles apelos carregados de emoção em busca de respostas emergentes e imediatas, que passam logo e deixam a população ainda mais frustrada, mais descrente. Há que se pensar algo mais racional, profundo e que tenha começo, meios e finalidades claros, objetivos e sem a essência obrigatória do curto prazo.

Por falar em começo, que tal pensar-se em construir uma verdadeira cidadania? Aliás, construir a cidadania dos brasileiros. Fala-se tanto das qualidades incomuns dos pátrios. Povo alegre, generoso, criativo, pacífico, solidário, sensível ante os problemas alheios; povo capaz de reagir rápida e inteligentemente, ante a situações adversas. Porém, falta a cidadania... Esta, sim, é uma qualidade da qual não prescinde um povo que se diz democrático. Alain Touraine[16] vê a liberdade como a primeira das condições necessárias e suficientes à sustentação democrática. A outra condição para uma democracia sólida é a cidadania.

Para que haja democracia é necessário que governados queiram escolher seus governantes, queiram participar da vida democrática, comprometendo-se com os seus eleitos, apontando o que aprova e o que não aprova das suas ações. Assim, vão sentir-se cidadãos. Isto supõe uma consciência de pertencimento à vida política do país. Querer participar do processo de construção dos destinos da própria Nação. Ser cidadão é sentir-se responsável pelo bom funcionamento das instituições. É interessar-se pelo bom andamento das atividades do Estado, exigindo, com postura de cidadão, que este seja coerente com os seus fundamentos, razoável no cumprimento das suas finalidades e intransigente em relação aos seus princípios constitucionais.

O exercício do voto é um ato de cidadania. Mas, escolher um governante não basta. Este precisa de sustentação para o exercício do poder que requer múltiplas decisões. Agradáveis ou não, desde que necessárias, estas têm de ser levadas a cabo e com a cumplicidade dos cidadãos. Estes não podem dar as costas para o seu governante apenas e principalmente porque ele exerceu a difícil tarefa de tomar uma atitude impopular, mas necessária, pois, em muitos momentos, o governante executa negócios que, embora absolutamente indispensáveis, parecem estranhos aos interesses sociais. É nessas ocasiões que se faz necessário o discernimento, próprio de cidadão consciente, com capacidade crítica e comportamento de verdadeiro “também sócio” do seu país.

Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade de direitos, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Mas este é um dos lados da moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final, coletivo: a justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.



3.CONCLUSÃO
O termo cidadania parece ter caído nas graças daqueles que têm na comunicação o instrumento de trabalho, como políticos, dirigentes, comunicadores, sociólogos e outros profissionais que, de alguma forma, interagem no meio social. Em seu ensaio a Veja, edição de 22/10/03, Roberto Pompeu de Toledo, ao fazer uma crítica ao comportamento do brasileiro, quando este se julga “estar por cima” e usa da impontualidade como meio de dominação, refere-se à pontualidade como expressão de igualitarismo. E acrescenta: “É, para usar detestável palavrão em voga, uma manifestação de ‘cidadania’. Na pontualidade, duas pessoas chegam junto.”. Considerada palavra “gasta”, ou não, o fato é que a cidadania é parâmetro balizador da história do homem enquanto ser social. Mesmo que, inconscientemente, o homem, na sua caminhada ao longo da História, sempre manteve a cidadania como questão central das suas lutas, como se verifica ao se recuar nos primórdios da humanidade.

A luta pela cidadania estava presente no profetismo hebreu. Os contemporâneos de Aristóteles e Platão organizavam-se para a prática da cidadania. A Roma de Cícero, através do Direito, da civitas, contribuiu significativamente na discussão dos direitos civis e políticos do cidadão. Essas histórias de lutas humanas em busca de reconhecimento de direitos do homem como cidadão, passa também pelo medievo, onde deixam vestígios os mais profundos. Em seguida, pelas revoluções burguesas, pelas lutas sociais dos séculos XIX e XX e até nossos dias. A auto-afirmação continua sendo perseguida, dia a dia, através de incansáveis batalhas contra todo tipo de iniqüidades, injustiças, opressão, etc., perversões que insistem em obstruir as ações humanas em prol de uma sociedade mais igualitária e feliz.

A história da cidadania confunde-se em muito com a história das lutas pelos direitos humanos. A cidadania esteve e está em permanente construção; é um referencial de conquista da humanidade, através daqueles que sempre buscam mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e não se conformam frente às dominações arrogantes, seja do próprio Estado ou de outras instituições ou pessoas que não desistem de privilégios, de opressão e de injustiças contra uma maioria desassistida e que não se consegue fazer ouvir, exatamente por que se lhe nega a cidadania plena cuja conquista, ainda que tardia, não será obstada.

Fonte:http://www.grupoescolar.com/pesquisa/cidadania.html

Textos sobre ética


Texto 1 - Ética

Da leitora Fernanda Alves: “Ética é uma qualidade adquirida ao longo da vida? Se sim, como uma pessoa pode mudar sua relação com o mundo?”
No filme Antes de Partir (imperdível), dois homens (os grandes Jack Nicholson e Morgan Freeman) na casa dos 70 anos são informados por seus médicos que têm pouco tempo de vida. Nicholson faz o papel de um milionário sem caráter e Freeman, o de um homem nobre e sábio. Este elabora uma lista de coisas que gostaria de realizar “antes de partir”, o outro gosta da idéia e ambos saem pelo mundo em busca das aventuras que não tiveram tempo ou condições de realizar ao longo de suas vidas.
Uma das cenas mais tocantes acontece quando ambos observam as pirâmides no Egito, e o personagem do Freeman conta que os antigos egípcios tinham uma bela crença sobre a morte. Quando suas almas chegassem ao céu, os deuses lhes fariam duas perguntas, cujas respostam determinariam se eles seriam ou não admitidos. A primeira pergunta era: “Você foi feliz nesta vida?” E a segunda: “Sua vida fez outras pessoas felizes?” Bastava que uma das respostas fosse negativa para que a alma fosse condenada à danação eterna.
Olhando a cena mais de perto, notamos que ela trata exatamente do tema da ética, pois as duas perguntas definem com precisão o significado de uma relação construída sobre bons princípios – atender a seus próprios interesses sem prejudicar os interesses dos outros. Ética é algo que pode – e deve – ser aprendido, pois, quando nascemos, só temos instintos, e estes defendem nossos interesses pessoais. Desenvolvemos ética enquanto amadurecemos e viramos pessoas que se relacionam com os outros. E aprendemos a partir do comportamento daqueles que nos servem de modelo, a começar por nossos pais, que inauguram a lista de influências que teremos ao longo de nossas vidas.
Depois virão os professores, os artistas, os ídolos do esporte, os chefes no trabalho e todo o conjunto de indivíduos que formam o que chamamos de sociedade. E aprendemos muito mais a partir de exemplos que começamos a imitar que a partir de instruções, pois estas, sem exemplos de conduta, são vazias. É claro que o estudo, a literatura e a história também são formadores de pensamento ético, pois através deles conhecemos exemplos de experiências anteriores, que servem de guia para imitações ou repúdios.
Em todos os ambientes, a ética é importantíssima, não construímos uma sociedade que não preste atenção nela. Mas, afinal, qual sua origem, sua explicação lógica? Várias vezes já me pediram definições de ética, e sempre procurei as respostas nas fontes clássicas. Os gregos diziam coisas variadas, de “lugar seguro onde convivemos com nossos iguais” a “código de conduta que dá harmonia aos relacionamentos” e a “estado da mente que nos aproxima dos deuses”. Criativos, os gregos. É que a palavra ética deriva do grego ethos, que significa tanto costume ou hábito quanto caráter, mas também tem o sentido de habitação. Portanto, poderíamos dizer que ética pode significar o conjunto de hábitos que permitem o convívio entre as pessoas.
Os romanos definiram ética como um código de conduta que facilita o relacionamento humano e permite a criação de um ambiente dotado de equilíbrio, justiça, progresso e harmonia. Era assim que eles queriam criar uma cultura que fosse a base de uma civilização inteira, e Roma só entrou em decadência quando a ética passou para a categoria das coisas menos importantes, por culpa de alguns imperadores corruptos e devassos.
O cristianismo também foi importante nessa matéria, e acertou em cheio quando adotou o lema “faze aos outros o que desejas que façam a ti”. Estava, na verdade, falando de ética. Aliás, a ética, que é construída a partir de instruções e exemplos, tem três fontes bem definidas: a religião, as leis e a moral. De certa forma, a religião e as leis impõem uma conduta ética, pois estabelecem limites para as ações e defi nem castigos para a desobediência. Já a moral, essa considera a ética como uma virtude que se basta por si mesma. Nesse caso, referimonos à ética como uma espécie de “filosofia moral” – esse é seu melhor formato.
nos faz bem, não porque temos medo de uma punição. Se você não infringe uma lei do trânsito porque você a aceita – e, portanto, você é co-autor dela –, nesse caso você é ético. Se você só respeita aquela lei porque tem um guarda na esquina, você não é.
Em um dos Diálogos de Platão, Sócrates conversa sobre ética com Glauco e lhe diz: “Esse assunto diz respeito ao que há de mais importante: viver para o bem e viver para o mal”. A visão do filósofo era de que maneira como convivemos em conjunto será determinante para a criação da grande razão de ser de cada um de nós: a busca da felicidade. Esta, dizia ele, não é uma dádiva divina sem sentido. É uma espécie de recompensa a um esforço conjunto, em que a felicidade de um reflete-se na felicidade dos demais, alimentando um estado permanente de criação do bem-estar e da elevação espiritual. Esse é o campo da ética.
Ética boa, ética ruim Sem dúvida, prestar atenção na ética vigente é uma condição indispensável quando convivemos com pessoas em um ambiente, em qualquer âmbito. Todas as organizações, por exemplo, trabalham em cima de uma ética, que às vezes está clara, às vezes não – nesse caso, ela existe de qualquer maneira, e os “habitantes” a praticam silenciosamente.
O que tem de ficar claro é que um código ético está sempre presente em agrupamentos humanos, o que não quer dizer que ele seja sempre bom. No crime organizado, por exemplo, há uma ética regendo as relações entre os participantes, ainda que em seu arcabouço encontremse comportamentos de contravenção. Apesar disso, ética sempre existe, pois é próprio das ações grupais que se estabeleça o “código de ética”, a partir do qual as pessoas passarão a se comportar. Está claro, então, que um código existirá de qualquer maneira, por isso a preo cupação com a criação de uma ética boa, moral, saudável, em ambientes controlados, como escolas, empresas associações e, claro, famílias. Seu reflexo será sentido na sociedade como um todo.
De fato, há empresas nas quais a ética não é exatamente exemplar. Mas uma empresa assim, com uma ética não moral – ou aética –, não deve servir para se trabalhar. E ponto. A construção de uma carreira deve ser maior que um emprego, por isso o alinhamento com uma ética adequada é fundamental. No filme Conduta de Risco, com George Clooney, há um exemplo espetacular sobre o tema.
Clooney representa um advogado chamado Michael Clayton. Ele trabalha em um grande escritório de Nova York, especializado em defender empresas que, para atingir seus objetivos, não pensam duas vezes antes de agredir a natureza, os interesses coletivos ou a lei. Os advogados que trabalham nesse escritório são considerados “faxineiros” – limpam a sujeira dos outros.
É claro que nosso herói acaba deparando com um desses momentos da vida em que os valores estão em jogo, mais que os interesses mundanos. Em meio a uma imensa crise pessoal, ele se vê diante da grande decisão de sua vida: defender os interesses de uma empresacliente, e assim favorecer seus acionistas, ou optar pela verdade e privilegiar a sociedade. Não vou contar o fim – veja o filme.
Sim, as organizações têm influência sobre o comportamento das pessoas, mas, independentemente disso, deve ser preservada a ética individual, representada pela maneira como as pessoas devem tratar umas às outras e como devem se portar diante da organização ou categoria profi ssional em que estão inseridas.
O comportamento ético pode provocar choques culturais, especialmente num país como o nosso, onde vigorou durante muito tempo uma tal “Lei de Gerson”, baseada em um comercial de cigarros que dava como sinal de competência o “levar vantagem em tudo” – ou, traduzindo: interesses pes soais acima dos interesses coletivos.
Temos um senso comum, desde a época do descobrimento do Brasil, de que cometer pequenos delitos é perfeitamente justificável, como sinal de esperteza ou de inteligência. É uma característica da moral dicotômica de nosso país, mas que vem sendo modificada felizmente – e isso está ocorrendo por iniciativa dos cidadãos, que estão cada vez mais conscientes. Sabemos que somos éticos de acordo com algumas pistas. Pense sobre o que você prefere:
• Ser honesto em qualquer situação; • Assumir sua responsabilidade em qualquer circunstância;
• Agir sempre de acordo com os seus princípios e valores;
• Usar de humildade, considerando que você pode errar e que seus acertos nunca serão apenas seus;
• Considerar as verdades dos outros, evitando emitir juízos precipitados.
Acredite, o exercício da ética boa dignifica o ser humano. Sem ela, o mesmo embrutece. A importância da conduta ética em todos os tipos de relações é cada vez maior, pois a ética organiza o comportamento, torna possível a convivência e forma o substrato para o desenvolvimento das pessoas em sociedade. E é também a ética que, em sua manifestação espontânea e justa, determina as bases da felicidade, que nunca pode ser individual, egoísta, solitária. Como disse Einstein: “A relatividade se aplica à física, não à ética”. E ponto final!
Questões sobre  sobre ética e política - Texto 1
QUESTÕES SOBRE ÉTICA E POLÍTICA
Paulo Sertek Msc.
1. Qual seria uma visão plena do homem que poderia nortear as nossa idéias sobre política? 
O personalismo constitue uma visão plena do homem, tem em conta a sua dimensão única - individualidade- e sua dimensão pessoal e social. Sublinha a dignidade do homem como pessoa e não deixa arestas da sua dimensão de ser fora dela. O personalismo caracteriza-se por uma chamada à autorealização, abraçando livremente os valores transcendentes e duradouros. Concede especial importância à liberdade pessoal: a própria e a dos demais, e por conseguinte tem uma consciência muito viva da responsabilidade pessoal (...) insiste de modo particular nos deveres com o próximo e considera seu cumprimento como um meio de desenvolvimento pessoal e de autorealização.
O motivo para adotar um padrão diferente está em que a realização plena do homem passa pelo "outro".
A pessoa cresce e se enriquece relacionando-se com os demais de modo aberto e generosamente receptivo: a alternativa é o isolamento social e a alienação humana. Entende-se então como o personalismo não só é compatível com a comunidade, mas que constitui a condição de qualquer comunidade sã e dinâmica. Uma comunidade não fundada sobre o respeito da dignidade da pessoa acaba por converter-se em uma massa sem alma, em um campo de concentração ou em um Estado totalitário.

2. Como se mede a dignidade da pessoa humana?
Não se mede a dignidade de uma pessoa pelo critério do ter mas do ser. O respeito não deve pautar-se pela dimensão visual do "fazer" (dimensão externa da ação) da pessoa mas sobretudo do seu "agir" (dimensão interna da ação). Daí a importância de não classificar as pessoas pelos tipos de trabalho, pois qualquer trabalho honesto por minúsculo que seja é engrandecido pelas atitudes internas: dimensão do agir. Portanto, o fruto do trabalho não pode ser o único critério de decisão, mas tem que dar prioridade à pessoa. Assim como o capital deve estar a serviço do trabalho.O trabalho não pode ser um item de consumo, mercadoria, instrumento utilitarista. Tem que estar voltado para o bem da pessoa. As pessoas não podem se transformar em massa de manobra, ou postas no embrulho dos interesses egoístas.

3. Qual seria uma atitude fundamental para o exercício da cidadania?
Apontamos para um enfoque nos deveres para com os outros, o seu exercício habitual exige respeito pelo outro. Respeito supõe consideração. As nossas decisões devem pautar por uma consideração ao outro e ao bem do outro: dar-lhe o devido sem fazer acepção de pessoas.

4. O que é a ética?
A palavra ética tem sua origem na palavra grega "éthos" que significa costume ou comportamento consciente do homem. Não é um mero elemento de fora que se incorpora ao comportamento humano, mas sim uma conduta escolhida de acordo com uma razão equilibrada. Quando o homem determina-se a si mesmo, guiado por seu espírito interior, a agir bem, está atualizando seu éthos. A ética é a ciência do éthos, da conduta humana ordenada. Ela ajuda o homem a refletir sobre o seu próprio atuar e determinar quais são os modos de agir que aperfeiçoam a personalidade humana e a convivência social. Dirige-se ao ser do homem e o leva a sua máxima perfeição. Ao contrário as condutas de não-valor, trazem como conseqüência a caotização da vida pessoal e do entorno social. Já vemos que a ética visa a realização da pessoa. Não uma realização segundo um ou outro aspecto particular, como seria a realização profissional, financeira, afetiva, etc., mas a realização do homem enquanto homem. Podemos nos sentir realizados depois de verificar o saldo no banco, no entanto este aspecto não significa que estejamos plenamente realizados.

5. Em que princípios apoia-se a ética?
O homem é um ser dotado de inteligência e vontade livre. É capaz de escolher livremente as ações que contribuem para a sua realização. Desta forma torna-se responsável pela sua própria edificação. A ética fundamenta-se em dois princípios básicos :

"Faz o bem e evita o mal", "Não queiras para os outros o que não queres para ti". Sob a luz destes dois princípios decorrem todos os valores morais. Um dos trabalhos primordiais é o de pautar as próprias decisões de acordo com eles. As escolhas livres, "aqui e agora", estando ou não em conformidade com os princípios podem contribuir para melhorar ou corromper a personalidade. A razão serve de guia para as diferentes escolhas. Quando os princípios morais estão bem arraigados constroem-se convicções. As ações fruto destas convicções vão forjando hábitos éticos na vontade.

6. Bastariam os bons desejos para promover os hábitos bons na sociedade?
Não são suficientes os princípios e convicções para atuar, é preciso querer pô-los em prática. Corresponde à vontade, a determinação das escolhas concretas que fazemos. Cada um de nós experimenta, mesmo sujeitos a condicionalismos, tomar decisões livres. Somente com a participação da inteligência e da vontade num ato determinado é que podemos falar de moralidade. É precisamente no campo ético que o homem atual está mais desguarnecido. Ele se volta para a realidade externa para conhecê-la melhor, transformá-la, no entanto avança pouco no conhecimento de si próprio e sobre a sua finalidade de vida. Com freqüência deixa o essencial para segundo plano. Como todas as ações provem do tipo de convicções que se tem, não se pode esperar que haja boa água num rio se a fonte estiver contaminada.

7. Alem da falta de determinação, que defeito você aponta para empreendermos mudanças?
Outro desvio ético da nossa sociedade, é o da falta de unidade no agir. Adotam-se posturas e critérios que variam de acordo com os ambientes e circunstâncias. Peter Nadas nos lembra essa falta de unidade: "Em casa, vestimos o chapéu do pai ou da mãe de família. No trabalho, o do empregado, o do executivo ou do patrão. No clube, o boné de atleta. Na igreja, somos piedosos fieis. No ônibus, no metrô, o passageiro sisudo; na rua, o pedestre indiferente ou o motorista nervoso. O mal está em que, junto com o chapéu, trocamos as nossas hierarquias de valores, conforme o ambiente em que estamos. Quando muito, adotamos atitudes éticas, não por profunda convicção do que é certo e do que é errado, mas pelo medo de sermos "flagrados" em alguma ilegalidade ou transgressão"1.

8. Mas afinal de contas o que acontece com a nossa sociedade? 

A nossa sociedade enveredou pela linha da busca do progresso como solução para todos os problemas humanos. Neste sentido o escritor russo Alexander Soljenitsyn aponta os resultados:

"Estamos progredindo! A humanidade instruída prontamente depositou sua fé nesse progresso. E, no entanto, ninguém indagou a fundo: Progresso sim, mas em quê? Presumiu-se com entusiasmo que o progresso abrangeria todos os aspectos da existência da humanidade em sua inteireza. ..... O tempo passou e ficou demonstrado que o progresso avança de fato, e surpreende superando expectativas, mas só o faz no campo da civilização tecnológica (com especial sucesso para o conforto do ser humano e nas inovações militares) (...) Tudo o que esquecemos foi a alma humana. Permitimos que as nossas necessidades aumentassem à solta, e agora não sabemos para onde dirigi-las. E, com a assistência obrigatória dos empreendimentos comerciais, necessidades cada vez mais novas são inventadas, e algumas são totalmente artificiais; e buscamo-las em massa, mas não encontraremos realização. E nunca encontraremos"2. A ética dirige-se para a realização mais profunda do homem. Fundamenta a conduta em
princípios que tem em conta o bem do homem como um todo. O progresso material é um aspecto mas não atende o anseio de realização que brota em cada um. Aristóteles afirmava com claridade meridiana: "Nenhum bem finito as riquezas, o prazer, as honras, a saúde e fortaleza corporal- pode ser objeto da felicidade humana, porque são incapazes de saciar as tendências principais e mais próprias do homem"3. Todo homem está submetido a uma tensão entre; o que é e o que deve ser. É exatamente nesse processo de autorealização que se insere a ética. Há princípios que regem a realização da pessoa como um todo; o da veracidade, imparcialidade, lealdade, solidariedade, etc. Procurando que as ações estejam em conformidade com estes princípios, levam a uma estruturação harmônica da personalidade. Em uma determinada sociedade, instituição, etc., a sua grandeza será medida pela somatória dos valores das atitudes dos seus integrantes. 

9. O que dizer dos comportamentos massificados?

Com muita freqüência os cursos de ética acabam degenerando para a "ética da mediocridade", a ética segundo os moldes da média, do que todo mundo faz. Alguns se restringem no até onde posso ir para não ser preso. A verdadeira postura ética é a busca da excelência. É uma visão magnânima, não fica nos cálculos egoístas. A prática ética leva em conta dois movimentos, aqui analisados separadamente, mas que na realidade andam juntos como as duas faces de uma moeda. Um primeiro movimento é de dentro do homem para fora e o outro de fora para dentro. Uma ação valiosa provem de uma pessoa de valor. Do menos não sai o mais, não se tira dez de meia dúzia. De uma árvore má não se colhem bons frutos. Daí a realidade de que se conhece o que somos pelo que fazemos. Diz um pensador que uma pintura fraca é de um pintor fraco. Por outro lado o segundo movimento é o da correção o da busca árdua da ação de qualidade. A ação de valor aperfeiçoa a pessoa . É o cultivo das virtudes. Ações que visam a perfeição no "fazer", mas desvinculadas de qualidade no "agir" podem render no curto prazo, no imediato, mas a médio e longo prazo desestruturam e caotizam. Cada homem se aperfeiçoa com os bons hábitos. Estes adquirem-se à base de repetição constante de atos valiosos.

O enfoque que temos que dar é o da ética das virtudes. Uma ética que parte positivamente para o empreendimento valioso e não para a retranca da mediocridade. Vem sob medida um conselho para potenciar o crescimento das virtudes: "Uma ética para empresários, diretores, em resumo, não consiste em um conjunto de regras para saber quando uma decisão é contrária a ética ou quando não é. Consiste, essencialmente, em um conjunto de conhecimentos que ajudem os dirigentes a descobrirem as oportunidades que lhes brinda sua profissão para que cheguem a ser melhores pessoas, isto é, para que desenvolvam suas virtudes morais"


10. O que significa virtude? 

Qualidade no agir significa virtude



. A palavra virtude, muito esquecida nos dias de hoje, é o bom hábito. Por outro lado o vício é o mau hábito. As virtudes se adquirem à base de repetição de atos. No início podem ser custosos, mas à medida que se praticam, criam uma facilidade no agir. Virtude vem da raiz latina "vir" que significa força. Onde reside esta força? Na vontade. A vontade vai se enrijecendo e aumentando a sua capacidade de definir-se pelos valores. Os filósofos dizem que se ganha uma "segunda natureza", porque a "primeira natureza", a bruta pende pelo caminho da facilidade, da lei do mínimo esforço. Comprova esta idéia o que vemos na nossa sociedade de consumo apontada por Isaac Riera: "Os filhos desta sociedade do bem-estar temos a alma muito débil e frágil, porque não estamos acostumados a suportar carências nem tampouco a vencer-nos. A vontade exercita-se e desenvolve-se quando há que se exigir muito a si mesmo diante das dificuldades e durezas da vida, mas fica atrofiada quando tudo são comodidades. E aqui está o ponto central da questão: não se pode esperar muita altura moral de quem se rege pela lei do mínimo esforço, mas essa lei nos foi inculcada, em princípios e na prática, pela sociedade do bem-estar em que estamos instalados"5.


11. Que princípios básicos regulam a ordem social?

Os princípios básicos são os da solidariedade, subsidiariedade e participação.


12. O que é o princípio da solidariedade e como exercitá-la efetivamente?

solidariedade estimula cada homem para que contribua efetivamente para o bem comum em todos os níveis.

"O homem não está destinado só a viver com os demais, mas sim também a viver para os demais".Deve haver um empenho de cada um para contribuir para o bem de todos e cada um dos homens. Afastar as justificativas para colocar-se a margem deste dever.

A solidariedade nos ajuda a ver o "outro", não como um instrumento qualquer para explorar a pouco custo sua capacidade de trabalho e resistência física, abandonando-o quando já não serve.

A solidariedade se manifesta por meio de obras concretas de serviço aos outros.Cada um de acordo com as suas possibilidades, materiais, intelectuais, etc, pode fazer render os talentos pessoais em serviço dos outros. Sair da carapaça de egoísmo e contribuir para resolver os problemas do entorno em que se vive. Começar a mudança por si próprio, fundamentada na própria luta pessoal. Depois ser a onda que se expande no lago, influenciando positivamente os outros. Não se limita à ajuda em coisas materiais, ajudar a que as pessoas tenham acesso aos bens da cultura e a formação espiritual.O mesmo modelo de relação entre os homens deve ser aplicado entre instituições e Estados. Contribuir para o desenvolvimento solidário da comunidade.


13. O que é o princípio da subsidiariedade e como exercitá-la efetivamente?

A prática do princípio da subsidiariedade garante que nem o Estado nem sociedade alguma deverão jamais substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos grupos intermediários nos níveis em que estes podem atuar, nem destruir o espaço necessário para a sua liberdade".

Fundamento da subsidariedade se encontra na "centralidade do homem na sociedade". Cada pessoa humana tem o direito e o dever de ser o "autor de seu próprio desenvolvimento" .

A subsidiariedade leva a que: "Uma estrutura social de ordem superior não deve interferir na vida interna de um grupo social de ordem inferior, privando-o de suas competências, mas sobretudo deve sustentá-lo em caso de necessidade e ajuda-lo a coordenar sua ação com a dos demais componentes sociais, com vista ao bem comum" .

São arbitrárias e injustas as limitações à liberdade das consciências ou as legítimas iniciativas de cada um.


14. O que é o princípio da participação e como exercitá-lo efetivamente?

O bem comum resulta da intervenção ativa de todos os cidadãos. Deve haver uma participação, com empenho de cada um dos membros da sociedade.

Ampara o direito dos indivíduos e das sociedades intermediárias frente os possíveis abusos de poder por parte do Estado. Impulsiona a que todos se preocupem pelo bem comum.

Garante a liberdade de constituir associações honradas que contribuam para com o bem comum. 7 7
"A manutenção do povo à margem da vida cultural, social e política, constitui em muitas nações uma das injustiças mais clamorosas de nosso tempo" .


15. O que fazer para ter qualidade de empreendimento visando o bem comum?
As pessoas empreendedoras nos atraem, que seria de nós se a nossa volta as pessoas que trabalhassem e convivessem conosco fossem passivas, não tomassem iniciativas. Nos atraem sobretudo as pessoas proativas, mas que sabem atuar não simplesmente buscando seus próprios interesses. O que mais faz desprender da potencialidade humana a riqueza da ação é o amor. Desprende da alma forças criadoras a partir do desejo das coisas boas, dos objetivos de qualidade. Contrariamente ao que alguns pensam o desejo do bem é mais forte que as que provem do egoísmo. A qualidade de empreendimento dirigido ao bem começa com firmeza e com o tempo vai solidificando-se mais. As motivações fundadas na busca de si próprio acabam naufragando na perda de sentido, na experimentação da angústia e da tristeza. A tristeza é o estado de ânimo mais desfavorável para qualquer empreendimento.

Verifica-se essa qualidade sobretudo diante das dificuldades, pois trata-se de crescer diante delas e não desistir. "As contrariedades representam muitas vezes o álibi que nos aquieta a consciência. Pensamos: quando concebi aquele ideal, quando formulei aquele propósito, eram outras circunstâncias; agora, na situação em que me encontro, já não tenho condições de levá-lo a cabo"6.


16. Qual a influência do desenvolvimento do caráter pessoal nas atividades políticas?

O trabalho seja ele qual for, é o âmbito onde dá-se parte importante da realização da pessoa. Todo trabalho corresponde a uma perfeição no "fazer", aperfeiçoa algo externo ao homem. Ao mesmo tempo, corresponderá a um aperfeiçoamento daquele que o realiza (qualidade no agir). Há uma mútua interação entre qualidade do caráter e qualidade do trabalho realizado. Em todos os níveis da instituição haverá um benefício direto, fruto deste processo de melhoria da personalidade. São potenciadas as relações do tipo

Servir/Servir, cada vez mais reforça-se o sentido de comprometimento com os objetivos de interesse comum e sobretudo cria-se um ciclo sinérgico positivo.

Convêm salientar que o processo de melhoria do caráter é algo que deve brotar do convencimento de cada pessoa da sua eficácia e sobretudo do valor que encerra em si mesmo. As pessoas não adquirem virtudes por decreto. O melhor modo de estimular as pessoas a percorrerem este caminho - talvez o único- é o bom exemplo. Qualquer sistema educativo estará comprometido sem o influxo do exemplo que deve vir de cima.

Nada mais deletério para o ambiente institucional quando as virtudes estão mais nas palavras dos seus dirigentes do que nas suas ações.



17. Qual deve ser o papel do político com relação à educação?

O homem de estado -como o pedagogo- deve ter uma ciência profunda da alma humana7. Um, a necessita para legislar o outro para educar. O primeiro opera sobre o cidadão desenvolvido; o segundo sobre o cidadão imperfeito. O educador será homem de Estado porque trabalha tendo em vista as instituições políticas, e o homem de estado será pedagogo porque a educação deve fortificar as instituições políticas.

Deste modo, a pedagogia como a política tem um mesmo fim: a felicidade da cidade; e tem o mesmo ponto de apoio: a psicologia humana; em fim prestam uma mútua assistência.Fazer do homem um homem bom, supõe então uma adequada articulação entre Ética e Política. Entendemos então a educação como uma atividade eminentemente ética e portanto orientada a revestir um caráter individual mas com uma vertente política essencial.


Ética texto 3

Ética a Nicômaco, Livro I


A exposição da ética aristotélica dirigida a seu filho Nicômaco compreende, no Livro I, treze itens cujos temas centrais resumimos:
Item I: Todas nossas ações visam alcançar diferentes tipos de bens, mas como estes variam de acordo com os fins particulares pretendidos, o melhor seria procurar neles o bem em si, distinto das ações.
Item II: Este bem acima de nossos fins é o sumo bem (absoluto). Esta procura é mesmo uma arte suprema, arte mestra, que deve ser procurada não só pelas pessoas, individualmente, mas será muito melhor se for procurada coletivamente, na ordem política da polis (cidade-estado).
Item III: Contudo, as dependências políticas da ética podem torna-la relativa, pela própria complexidade de seus resultados, fazendo mártires os corajosos, assim como doentes os imoderados. Dessa forma, contentemo-nos apenas em obter algumas verdades, das quais os jovens sentem grande dificuldade em alcançar, pois não têm preparo quando se trata de agir.
Item IV: Ora, o objetivo da ética é a obtenção da felicidade (eudemonia), mas esta sofre grande diferença quando tratada pelo vulgo ou pelos sábios, pois o vulgo compara a felicidade ao prazer, riqueza ou ostentação. Contudo, muitos conseguem perceber que acima dos bens imediatos há um bem subsistente e causa da bondade de todos os demais. Para tanto, há dois caminhos: das ações para os princípios ou, vice-versa, dos princípios para as ações, conforme sugeriu Platão. Não obstante, Aristóteles acha que devemos começar pelas ações como são exercidas por nós, o que exige conhecimento e hábito, esclarecimento e boa educação, conforme sintetizou Hesíodo em um de seus poemas.
Item V: Aristóteles elenca três tipos principais de vida : a felicidade vista apenas na fruência de prazeres; segundo, as honrarias e benesses da vida política e, finalmente, a vida contemplativa. No que se refere a vida reduzida à obtenção de prazeres, Aristóteles a considera bestial e escrava; quanto a vida pública, considera a honra como concessão do público ( o que não é bom). Não obstante, há os que consideram a honra como um atestado de bondade, reflexo de suas virtudes pessoais, porem estas variam muito em sua consistência.
Item VI: A preocupação é quanto à ideia do bem universal, na esteira das concepções platônicas e Aristóteles vai contrariá-las, apesar de suas amizades com o Mestre. Assim, começa argumentando que o bem pode ser usado tanto na categoria de substância, qualidade ou relação, o que impediria a sua conceituação como uma ideia comum. Exemplos:
- o bem como substância: Deus
- o bem como qualidade: as virtudes
- o bem como relação: sua utilidade, seu momento apropriado, sua intensidade, etc
Ora, em função dessas diferenças, não pode haver uma única ciência que possa englobar uma ideia de bem universal, como forma abstrata. É verdade que os platônicos procuram diferenciar entre os bens tomados em si mesmos (como referência), dos bens subsidiários, que os corroboram e os preservam. Assim, torna-se possível distinguir o bem em si de seus condicionantes utilitários ou prazerosos. A ideia do bem seria então produto de um denominador comum obtido por via casual ou analógica? Não obstante, se ela existe, torna-se vazia e inatingível pelo homem. Pois o essencial é perceber o bem e sua perfeição nos seus usos práticos.
Item VII: Na variedade de nossas ações, o importante é ter em mente suas finalidades. Porém, como estas estão sempre submetidas a uma perspectiva relativa, nossa mente procura uma finalidade absoluta, que inclua todas as finalidades relativas. Aristóteles diz: ‘chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa’. E prossegue: ‘Ora, esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade. É ela sempre procurada por si mesma e nunca com vistas em outra coisa’. ‘A felicidade é, portanto, algo absoluto e autossuficiente, sendo também a finalidade da ação’. Ora, no que se refere ao homem em suas atividades, o bem supremo é seu labor intelectual, por ser isto que o distingue de todos os outros animais. Porém, este labor intelectual deverá vir acompanhado de práticas virtuosas.
Item VIII: A diferença entre bens exteriores e bens interiores. A preferência é pelos bens da alma, pois o homem feliz vive bem e age bem. A felicidade ora é comparada com as virtudes, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica, a prosperidade e a honra, etc, e é provável que ela esteja um pouquinho em cada um desses aspectos. Não obstante, a felicidade é uma virtude de ação; e esta ação deve vir sempre acompanhada de prazer e alegria pelo que se faz. A felicidade é, pois, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e seus atributos não se acham separados, como na inscrição de Delos: ‘Das coisas a mais nobre é a mais justa; e a melhor é a saúde; mas a mais doce é alcançar o que amamos’. Não obstante, ela necessita dos bens exteriores.
Item IX: Como atingiremos a felicidade? Pela aprendizagem, pelo hábito, ou por alguma espécie de adestramento, ou mesmo crer que ela seja uma dádiva dos deuses? Por ser a melhor, a felicidade só pode ser dádiva divina. Contudo, poderá ser conquistada também por uma espécie de estudo e diligência, uma prática de vida pública, orientando as pessoas para que sejam boas e capazes de nobres ações. Conclui-se portanto que a felicidade não é um estado natural, mas fica a mercê de superar muitas vicissitudes da vida.
Item X: Não devemos esperar a morte para dizer se fomos felizes ou não, como pensava Solon. Pois apesar dos muitos percalços da vida, um estado de felicidade demanda a superação permanente de tudo que possa contrariá-la. Pois a prática das virtudes é o que mais é duradouro na vida, superando o próprio conhecimento das ciências e nenhum homem feliz pode tornar-se desgraçado, porquanto jamais praticará atos odiosos e vis. E isto está acima do azar ou da fortuna.
Item XI: A desgraça e o infortúnio afeta a vida dos mortos? Na dúvida sobre se os mortos participam de qualquer bem ou mal, temos que concluir que afetariam muito pouco a sua tranquilidade.
Item XII: A felicidade é para ser louvada ou estimada? Os louvores da felicidade estimulam as pessoas a praticarem as virtudes, pelas suas bem-aventuranças. Não obstante, a felicidade, por ser um primeiro princípio, demanda muito mais a estimação e a perfeição de nossos atos bons.
Item XIII: A natureza da virtude é cheia de percalços, pois depende do funcionamento adequado do corpo e da alma. O homem verdadeiramente político é aquele que goza a reputação de haver estudado a virtude acima de todas as coisas, pois com isso contribuirá para que os seus concidadãos sejam bons e obedientes às leis. Ensiná-los a serem comedidos e que eduquem suas incontinências. Pois os conselhos dos pais e dos amigos são úteis para suprir os elementos irracionais de nossa alma.

Exercícios sobre conteúdo 1º bimestre - Filosofia
Exercícios sobre ética

Atenção: As questões de números 1 a 10 referem-se ao texto que segue.
No campo da ética Costuma-se dizer que os fins justificam os meios, de 
modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios 
disponíveis são válidos. No campo da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia.
Suponhamos uma sociedade que considere um valor e um fim moral a lealdade entre seus membros, baseada na confiança recíproca. Isso significa que a mentira, a inveja, a adulação, a má-fé, a crueldade e o medo deverão estar excluídos da vida moral, e as ações que se valham desses recursos, empregando-os como meios para alcançar um fim, serão imorais.
No entanto, poderia acontecer que, para forçar alguém à lealdade, fosse preciso fazê-lo sentir medo da punição pela deslealdade, ou fosse preciso mentir-lhe para que não perdesse a confiança em certas pessoas e continuasse leal a elas.
Nesses casos, o fim – a lealdade – não justificaria os meios – o medo e a mentira? A resposta ética é: não. Por quê? Porque esses meios desrespeitam a consciência e a liberdade da pessoa moral, que agiria por coação externa e não por reconhecimento interior e verdadeiro do fim ético. No campo da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras, fins éticos exigem
meios éticos.
A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe como um fato dado, como um fenômeno da Natureza, mas é instaurada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes.
(Marilena Chauí, Convite à Filosofia)
1. Esse texto se desenvolve de modo a argumentar em favor da seguinte posição:
(A) a prática dos valores éticos é um atributo natural dos seres humanos.
(B) os meios só se justificam quando não são contrários aos fins de uma ação.
(C) a deslealdade pode ser necessária para se promover uma atitude leal.
(D) a educação moral torna possível justificar quaisquer meios em razão dos fins.
(E) a legitimidade dos fins é garantida pela eficácia de uso dos meios disponíveis.

2. A leitura do último parágrafo do texto permite deduzir, corretamente, que
(A) a prática moral é tanto mais fácil quanto mais alto o nível de escolaridade.
(B) nenhuma ação é moral quando contraria a índole natural de uma pessoa.
(C) os valores morais são categorias essencialmente individuais, e não coletivas.
(D) é necessária uma educação moral para que bem se ajustem meios e fins.
(E) a educação moral resulta de uma imposição interna de cada indivíduo.
_________________________________________________________
3. Está correta a tradução de sentido da seguinte expressão do texto:
(A) todos os meios disponíveis são válidos = todos os subterfúgios são verossímeis.
(B) essa afirmação deixa de ser óbvia = tal conjectura já não é improcedente.
(C) agiria por coação externa = se renderia aos ditames da consciência.
(D) a relação entre meios e fins pressupõe que = a autonomia tanto dos fins quanto dos meios faz supor que.
(E) ações que se valham desses recursos = atos que lancem mão desses meios.
_________________________________________________________
4. Está correto o emprego da expressão sublinhada na frase:
(A) Somente são justificáveis os meios que estão em consonância entre seus fins.
(B) A mentira e o medo não são meios com que se possa lançar mão.
(C) É indiscutível o pressuposto de que uma pessoa moral não existe como um fato dado.
(D) Para uma ação ética, os meios que se pode contar devem ser igualmente éticos.
(E) A boa formação de uma pessoa implica de que seja educada para os valores morais e para as virtudes.

GABARITO:

1 B

2 D

3 E

4 C


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